Das cartas que nunca mandei (6)

Filha, você ainda nem nasceu, mas eu já te amo. Muito.

Por isso quero te avisar que a gente vive num mundo meio confuso. Não se assuste, ele é assim mesmo.

Quando você crescer, vai ter um monte de gente querendo se aproveitar de você. Gente que não vai aceitar você do jeito que você é, gente que não vai aceitar você ser feliz.

Pode ser que você goste de garotas. Pode ser que você se apaixone por um menino negro. Pode ser que você queira ser jogadora de futebol. Pode ser que você vire hippie ou vire PHD. Pode ser que você vire prostituta ou juíza. Pode ser que você se tatue, se masturbe, se vista como você bem entender.
E em todos os casos vai ter alguém para odiar você.

Tudo o que eu te peço, filha, é que não te preocupes.
Para cada pessoa para te julgar, vai ter alguém, em algum lugar desse mundo, pra te aplaudir.

Você não é vulgar só porque a sua saia é mais curta do que alguma pessoa qualquer achou que deveria ser.
Você é a dona do seu corpo e nunca acredite em ninguém que te disser qualquer coisa diferente disso.
Nem a escola, nem a Igreja, nem a vizinha. Nem eu.

Tem um monte de gente por aí que vai fazer tudo o que for possível pra te deixar com medo de amar. Mas o amor vale a pena. Sempre vai valer. Mesmo aquele que dói, mesmo aquele que acaba. O amor sempre vale a pena.

Pode ser que você fique deprimida. Tem gente que vai dizer que simplesmente vai passar. Tem gente que vai te encorajar a se matar (sim, é triste, mas essas pessoas existem). Sempre vai ter alguém que não vai acreditar em você. O mundo é cheio de pessoas assim.

Mas o mundo também tá cheio de gente bacana, filha. Cheio de gente faz valer a pena viver.

Vai ter gente pra te ajudar a se levantar e gente pra rir junto com você quando você cair. Gente pra você se apaixonar e gente para estar lá, só esperando você quebrar a cara para te oferecer o ombro. Vai ter gente de todas as cores. Gente de todos os tamanhos e todos os sabores.

Vai ter gente linda. Por dentro e por fora.
Vai ter gente pra te encher de vontade de colocar mais gente assim no mundo.

E um dia, filha, você vai ter uma filha.
Que não vai ter nem nascido e você já vai amar.
Muito.

* as outras cartas que nunca mandei:
1 – https://fabioricardo.wordpress.com/2008/12/21/das-cartas-que-nunca-mandei/
2 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/01/13/das-cartas-que-nunca-mandei-2/
3 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/02/09/das-cartas-que-nunca-mandei-3/
4 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/02/09/das-cartas-que-nunca-mandei-4/

5 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/05/05/das-cartas-que-nunca-mandei-5/

Sentidos sentidos.

Preferia ser cego a não poder vê-la nunca mais. Preferia ser surdo a não ouvir mais o sussurrar de sua voz. Preferia perder completamente o olfato a não sentir seu perfume, que grudava em sua barba comprida. Preferia perder o tato a não poder mais percorrer os centímetros de sua coxa com a ponta dos dedos. Preferia morrer a não mais poder sonhar com seu sorriso.

Realizou seus desejos do oitavo andar.

Eternamente em busca. Eternamente em vão.

Falar sobre amor é complicado, até porque a maioria de nós nunca amou de verdade.

A gente nem sabe o que realmente é esse tal de amor.

Vê nos filmes, nos livros, nas novelas, e pensa que é isso que a gente sente: amor.
E quando vai ver, nunca passou de paixão.
Uma paixão tórrida e arrebatadora, mas nada além de uma paixão.

Paixões são passageiras, precisam ser regadas para se manter.
Não eternas e etéreas como o amor.
O amor é a busca eterna por ele próprio.
É a vontade de ver todos os dias da vida o mundo com aquela cor especial e diferente das duas primeiras semanas de namoro.

Tudo é em vão na busca do amor.
Pq essas cores, a gente conquista com a paixão.
A busca pelo amor, essa é vã.

——–

essas filosofadas sobre o amor são só pra te convidar a dar uma passadinha lá no Duelo de Escritores e ver o que cada duelista tem a dizer sobre o amor.

Das cartas que nunca mandei (5)

Procuro tuas mãos enquanto dormes. Te abraço deitado em teu seio e me encontro em tua pele. Quente. Mansa. Delicada. Teu sorriso me acolhe, quando, ainda dormindo, percebes que me aconcheguei em teus braços.

O cheiro de teu pescoço me inebria, o gosto da tua língua que brinca, ligeira, na minha boca. A sensualidade da tua total falta de sensualidade. Teu cabelo molhado, despenteado, jogado na frente dos olhos. Suas calças de ficar em casa, largas, compridas, surradas. Seu moleton velho e confortável, com o capuz escondendo o sorriso inocente.

Me perco em teu mundo de brincadeiras, no teu jeito infantil de viver a vida como se estivesse sempre de férias. Sinto inveja dessa tua capacidade, apesar de quase enlouquecer com tua falta de decisões.

Vejo em você uma beleza ímpar, uma beleza diferente, como algo que nunca desabrochou. Mas que eu sei que um dia vai. E será a mais linda de todas. E sei que guardas, aí dentro, uma magia nunca vista nesse mundo.

Por isso é que dói tanto ver tuas fugas constantes. Deixar o depois para depois pode ser lindo numa história de amor. Mas também pode ser perigoso quando assumido como uma certeza constante na vida em si. Só podes deixar o depois para depois, se tiveres o que viver no agora.

E é por isso que procuro tuas mãos enquanto dormes. Porque é nos sonhos que chegas mais perto do caminho que nem sabes que buscas. É nos sonhos que tuas mãos quase encostam nas nuvens.

E nem que eu tenha que seguir tuas mãos a cada vez que fechares os olhos, não vou sossegar até que segures teu futuro com a ponta dos dedos.

* as outras cartas que nunca mandei:
1 – https://fabioricardo.wordpress.com/2008/12/21/das-cartas-que-nunca-mandei/
2 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/01/13/das-cartas-que-nunca-mandei-2/
3 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/02/09/das-cartas-que-nunca-mandei-3/
4 – https://fabioricardo.wordpress.com/2009/02/09/das-cartas-que-nunca-mandei-4/

5 –
https://fabioricardo.wordpress.com/2009/05/05/das-cartas-que-nunca-mandei-5/

Impublicados

– Porque tu nunca escreves sobre ela?
– Como assim?
– Tu escreves o tempo todo. Sobre amores e dores, basicamente. Dores de amores.
– Certo.
– Então. Escreves sobre centenas de garotas. Tu escreves sobre a garota que passou do outro lado da rua e olhou pra ti por apenas dois segundos. E tu já escreves uma história de amor por ela, apaixonado que estás.
– E qual o problema?
– O problema é que tu tens medo. Tu só escreves sobre essas garotas irreais, intangíveis. Agora que estás com uma menina de quem tu gosta e que gosta de ti, tu não escreves.
– Sei lá, não consigo.
– Como não consegues? Não tens assunto para escrever sobre a menina que ocupa 100% do teu dia a algumas semanas, já?
– É, não é falta de assunto. É que o texto não sai, só isso.
– Quer dizer que não consegues escrever sobre teus sentimentos reais, só sobre os imaginados, é isso?
– Acho que é mais ou menos por aí.
– Às vezes tenho pena de ti.
– Eu também.

Afastam-se. Enquanto o amigo vai embora, ele abre a pasta dela no computador. Dentro, 72 arquivos de Word, cada um com algumas páginas, todos endereçados a ela.

– É que o texto não sai, só isso.
Repete baixinho enquanto sente o rolar de uma lágrima.

Ame, sofra, viva

Por Fábio Ricardo e Marina Melz

Tem gente que diz que só os relacionamentos doces valem a pena. Outros, que só se consegue sentir o amargo. Eu prefiro dizer que todos os relacionamentos valem a pena. Por mais doces ou amargos que eles sejam.

Não importam sofrimentos, de nada vale temer o futuro. O flutuar é agora. O desmontar com um sorriso, também. Temer o futuro pra quê? Se por mais que você se segure, você sabe que uma hora vai cair? Você pode cair logo nos primeiros dias, braços abertos e vento no rosto, ou pode se segurar, espernear e dizer que não quer se apaixonar. Mas uma hora você vai escorregar e cair do mesmo jeito. A única decisão é como você pretende apreciar a queda.

A queda sempre é queda. É você quem escolhe aproveitar os segundos de queda-livre ou tentar prever a dor. Amar sem medo ou sofrer por antecipação. Se for para sofrer, sofra. Você vai sofrer de qualquer jeito, esteja certo disso. Todo relacionamento traz sofrimentos consigo. Seja pelo medo de se entregar, seja por se entregar demais. Quem não sofre, não ama.

Quando o momento de sofrer chegar, você vai sorrir. Amarelo, tímido, infeliz. Mas se você realmente tiver vivido o momento de tirar os pés do chão, você vai sorrir.

Você pode passar anos sofrendo para no final ficar feliz. Ou você pode ficar feliz por anos, e no final sofrer. Tanto faz. É certo que você vai sofrer. E também é certo que você vai ser feliz. A felicidade precisa do sofrimento para existir, ou então você não saberia que ela é felicidade. Então aproveite e sofra. Afinal, você vai ser muito feliz.

Aproveite cada beijo como se fosse o último, sinta cada abraço como se fosse só o começo e sorria por um sorriso. Sinta o agridoce da vida oscilando na sua boca e no seu peito. Se você fizer isso, não importa o quanto foi amado, ou por quanto tempo. O que importa é que você se entregou, se apaixonou, flutuou. O que importa é que você se entregou. E não há sensação no mundo melhor do que a de se entregar a uma paixão.

Você sempre pode escolher entre fugir e se entregar. Não seja covarde. Se entregue a cada nova possibilidade. Fique cego, surdo. Voe, esqueça o chão. Perca o juízo, a fome, o sono. Perca a consciência. Se perca. Se perca pra se encontrar.

Se encontre.

Dificuldades

Difícil mesmo é não olhar pra trás.

E se você não resistir e acabar olhando, difícil mesmo é não se machucar com o que você vê.

Difícil mesmo é não se apaixonar.

E se você não resistir e acabar se apaixonando, difícil mesmo é não terminar sofrendo.

Difícil mesmo é esquecer.

E daí, se você realmente conseguir superar e esquecer, difícil mesmo é aprender alguma coisa com isso tudo e não voltar a cometer os mesmos erros over and over again.

Fim de tarde com você

Estavam sentados a poucos centímetros de distância um do outro. Todos os anos que passaram sem se falar pareciam nunca ter existido. A proximidade, depois de tanto tempo, era desculpa para esbarrões, mãos que se tocavam, braços e pernas que se viam encostados uns nos outros a todo o momento.

O gramado verde era cenário para o fim de tarde mais agradável que ele teve em muito, muito tempo. As nuvens negras que cobriam aos poucos o parque os lembravam que a felicidade era apenas momentânea, logo viria a chuva forte e seus corpos voltariam a estar longe um do outro. O momento em que caíram os primeiros pingos foi ignorado prontamente por ambos, que não queria saber de gotas, e sim de ficar ali, rindo, conversando, relembrando os melhores momentos de uma história que não tinha lembranças ruins.

Um picolé de limão, uma água de coco, nenhum dos dois parecia tão gostoso. Gostoso mesmo era estarem ali, juntos. Unidos por um mar de memórias e de conversas banais. Não discutiram nada muito sério. Nem sentimentos, nem relações, nem a falta que um fez ao outro em todo aquele tempo. Conversaram coisas banais, divertidas, riram e se sentiram próximos.

Para ele, era como se não tivesse passado nem um dia sequer entre este dia e o último em que haviam se visto. Ele olhava para ela da mesma forma, ouvia sua voz com o mesmo gosto, sentia seu cheiro com o mesmo prazer. Inenarrável.

Ela olhava para ele com uma simplicidade no olhar, conversava com um carinho único na voz, falava de saudades com o peito aberto. Ela era pura, ingênua, livre ao lado dele. Era ela mesma. Ele era todo ouvidos, todo olhos, todo alegria e leveza. Se ela era ela mesma quando estava ao lado dele, ele era muito melhor que o natural quando estava ao lado dela.

A chuva veio, e eles se foram. Com promessas de novos encontros, com abraços apertados, beijos no rosto que queriam chegar logo às bocas, vontades e saudades. Mas a chuva veio. E eles se foram.